A Amazônia Maranhense, berço de uma rica biodiversidade e de saberes tradicionais, tem se tornado palco de uma revolução alimentar que alia ciência, tradição e sustentabilidade. A união entre conhecimentos científicos e práticas ancestrais das quebradeiras de coco babaçu resultou no desenvolvimento de dois novos produtos: um análogo de hambúrguer e uma farinha de amêndoas, ambos à base de babaçu. Essas inovações não apenas atendem a nichos de mercado em expansão por alimentos naturais e ricos em proteína, mas também promovem a valorização da sociobiodiversidade e a inclusão produtiva de comunidades tradicionais.
O projeto, fruto de uma parceria entre pesquisadores da Embrapa Maranhão, Embrapa Agroindústria Tropical, Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal do Ceará (UFC) e cooperativas de quebradeiras de coco, contou com financiamento da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ). O objetivo foi diversificar os coprodutos do babaçu, uma palmeira emblemática da região, e transformar resíduos antes descartados em matéria-prima para alimentos nutritivos e sustentáveis.
Do resíduo ao hambúrguer: inovação com impacto social
Um dos destaques do projeto é o análogo de hambúrguer feito a partir da farinha de amêndoa de babaçu, um subproduto que antes era utilizado apenas como ração animal. A farinha, rica em proteínas (13,17% por 100g), foi combinada com casca de banana e farinha de arroz para criar uma textura macia e saborosa, adequada para dietas veganas e livres de glúten e lactose. O produto, que não contém conservantes, tem validade de até seis meses congelado e já conquistou consumidores em feiras de São Luís.
“Utilizamos metodologia inversa. Partimos das condições locais e do potencial das matérias-primas que as quebradeiras já tinham, incluindo os resíduos”, explica o professor Harvey Villa, do Departamento de Engenharia Química da UFMA. A casca de banana, além de agregar sabor e maciez, traz benefícios nutricionais, como fibras, vitaminas e minerais, e ajuda na absorção de metais pesados, como o cobre, nocivo à saúde em altas concentrações.
A farinha de amêndoa também foi incorporada em outras formulações, como biscoitos, pães, bolos, mingaus e sorvetes, ampliando as opções de produtos derivados do babaçu e reduzindo o desperdício. “Aprendemos a transformar o bagaço da amêndoa em farinha, um produto que substitui o coco ralado e tem melhor aceitação pelos consumidores”, relata Rosângela Lica, da Cooperativa Mista da Agricultura Familiar e do Extrativismo do Babaçu (Coomavi).
A pesquisa foi guiada pela integração entre conhecimentos técnicos e práticas tradicionais das quebradeiras de coco, que há gerações dependem do babaçu para sua subsistência. “Promovemos a interação de saberes para aumentar o valor agregado da produção artesanal e ocupar nichos de mercado específicos”, destaca a pesquisadora Guilhermina Cayres, líder do projeto. Ela ressalta que os alimentos derivados do babaçu não apenas valorizam a identidade sociocultural das comunidades tradicionais, mas também contribuem para a criação de sistemas alimentares sustentáveis e de baixo impacto ambiental.
Para as quebradeiras, a iniciativa trouxe impactos positivos que vão além da geração de renda. “O babaçu não é um simples coco, é um trabalho enorme que gera qualidade de vida e cidadania”, afirma Maria Domingas, da comunidade quilombola Pedrinhas Clube de Mães. Antonia Vieira, também da comunidade, celebra a troca de conhecimentos: “Somos parte desse processo, muito rico para nós e para os pesquisadores”.
Reconhecimento e futuro promissor
O sucesso do projeto já rendeu frutos além das comunidades locais. A equipe liderada por Guilhermina Cayres foi finalista do prêmio Con X Tech Prize: Amazônia, uma competição global que busca soluções inovadoras para transformar as economias da Amazônia em modelos regenerativos e inclusivos. O reconhecimento reforça o potencial do babaçu como vetor de desenvolvimento sustentável.
Com mais de 300 mil quebradeiras de coco no estado, o Maranhão tem na palmeira do babaçu uma fonte de riqueza e identidade cultural. A pesquisa não apenas ampliou as possibilidades de uso do coco, mas também fortaleceu as organizações comunitárias e abriu novas perspectivas de mercado. “O hambúrguer é espetacular. Elas vendem o produto a um preço competitivo, e os consumidores estão adorando”, comemora o professor Harvey Villa.
A união entre ciência e tradição na Amazônia Maranhense prova que é possível conciliar inovação, sustentabilidade e inclusão social. Os novos produtos à base de babaçu não apenas alimentam o corpo, mas também fortalecem a cultura e a economia das comunidades tradicionais, mostrando que o futuro da alimentação pode ser mais justo e sustentável.
*Com informações da Embrapa Maranhão