Os aeroportos do Nordeste se preparam para uma transformação significativa que beneficiará passageiros com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outras condições sensoriais. Pensando nesse público, o Ministério de Portos e Aeroportos lançou o Programa de Acolhimento durante o evento Airport National Meeting 2024. Os terminais terão salas multissensoriais, projetadas para proporcionar acolhimento, bem-estar e apoio em momentos de crise. Segundo a Zurich Airport Brasil, o Aeroporto Internacional de Natal, Governador Aluízio Alves, terá o espaço inaugurado ainda em dezembro. Sendo o primeiro terminal do Nordeste, a garantir mais acolhimento e acessibilidade, recebendo esses investimentos.
Os profissionais do setor também passarão por capacitação, para estarem preparados para lidar com a novidade, além de haver também a promoção de conscientização e sensibilização dos demais passageiros. Um compromisso com a inclusão não só durante o voo, mas também em solo. O Governo informou que a adesão ao Programa será feita com investimento realizado pelas próprias concessionárias dos aeroportos, sem gerar custo para a União.
Ter aeroportos recebendo investimentos em iniciativas que ajudam os passageiros é sempre uma boa notícia. Por mês, aproximadamente 200 mil passageiros com TEA circulam pelos terminais do Brasil. Cidadãos, que pagam o mesmo valor e tarifas das passagens aéreas, e que têm o direito de ter um atendimento que atenda às suas necessidades. Com esse serviço exclusivo, mais pessoas que precisam dessa atenção terão mais segurança para realizar mais viagens, impactando de forma positiva a movimentação nos aeroportos.
Vários setores da indústria estão se adaptando para receber viajantes com TEA e suas famílias. Resorts, parques temáticos, estádios de futebol e shoppings também têm buscado facilitar as viagens para pessoas com transtorno do espectro autista e TDAH.
A pesquisa do IBCCES (International Board of Credentialing and Continuing Education Standards), realizada em 2022, revela que muitas famílias com membros autistas enfrentam desafios ao planejar viagens. Em um estudo com 1.000 famílias, 87% das participantes disseram que raramente viajam, e uma grande parte afirmou que viajariam mais frequentemente se houvesse mais opções de destinos com certificação para atender pessoas com autismo. Além disso, 97% das famílias expressaram insatisfação com as opções atuais de viagem e hospedagem disponíveis para autistas.
O IBCCES tem se dedicado a certificar destinos turísticos e profissionais de viagem para melhor atender esse público. A certificação “Certified Autism Center™” (CAC) é uma das iniciativas mais destacadas, que garante que pelo menos 80% da equipe de um local seja treinada para lidar com as necessidades sensoriais e comportamentais de pessoas no espectro autista. Isso tem aumentado as opções de locais acessíveis e inclusivos, promovendo uma experiência mais confortável e tranquila para as famílias.
Essas iniciativas fazem parte do Programa de Acolhimento ao Passageiro com TEA, promovido pelo Governo Federal. Em nota, a Aena Brasil anunciou que, até o final de 2025, todos os aeroportos sob sua administração terão áreas de isolamento sensorial ou salas multissensoriais. O cronograma inclui instalações em capitais como Recife (PE), Maceió (AL), Aracaju (SE), João Pessoa (PB), Juazeiro do Norte (CE) e Campina Grande (PB).
Espaços para acolhimento e bem-estar
As salas multissensoriais são projetadas com estímulos controlados — visuais, táteis, auditivos e olfativos — para promover relaxamento e concentração. Além disso, terão pontos de acomodação em ambientes tranquilos, ideais para passageiros em situações de desconforto. Essa estrutura é fundamental em um ambiente como o aeroporto, caracterizado por grande circulação de pessoas, ruídos e informações constantes.
A psicóloga Alice Santos, da Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (FUNAD), destaca a relevância dessas iniciativas. “Os aeroportos são ambientes naturalmente barulhentos. A grande circulação de pessoas, o fluxo de informações, por vezes desencontradas, são alguns dos desafios enfrentados por pessoas autistas nesses locais. As salas multissensoriais oferecem um espaço seguro, revelando um compromisso genuíno com a inclusão das pessoas com deficiência e autismo”, afirma.
De acordo com a psicóloga, esses espaços também são importantes para fortalecer a relação de confiança entre o passageiro e sua família ou cuidadores. “Quando uma pessoa no espectro se sente acolhida, isso reduz significativamente o nível de ansiedade da família como um todo. É uma forma de garantir que a viagem não seja sinônimo de estresse, mas de novas experiências e descobertas”, revela Alice.
Na Paraíba, iniciativas como essas se conectam a políticas públicas locais. Em setembro, foi sancionada a Lei Estadual nº 12.911, que torna obrigatória a instalação de salas de estabilização sensorial em estabelecimentos de grande circulação, como shoppings e aeroportos.
A experiência de quem vive o TEA
Para a advogada Chintya Azevêdo, autista e mãe de uma criança no espectro, as salas sensoriais são indispensáveis. “Os aeroportos apresentam desafios, como atrasos ou cancelamentos de voos, que quebram a previsibilidade, algo essencial para pessoas autistas. Essas salas ajudam a gerenciar crises e oferecem um espaço acolhedor. É imprescindível que estejam bem localizadas, com sinalização adequada e infraestrutura como painéis de voo e itens para crianças”, garante.
Durante uma viagem ao Rio de Janeiro, ela vivenciou em primeira mão o impacto positivo dessa estrutura no Aeroporto Santos Dumont. Enfrentando uma crise sensorial causada por problemas no translado até o terminal, Chintya encontrou na sala sensorial um espaço de acolhimento e regulação.
“Foi essencial. Passei cerca de 30 minutos na sala, o que me permitiu me acalmar e embarcar no voo. Essas salas são fundamentais para estes tipos de situações, especialmente em um ambiente tão imprevisível quanto um aeroporto”, finaliza a advogada.
Mais do que salas: inclusão em prática
Especialistas apontam que, embora as salas sejam um grande avanço, elas devem ser acompanhadas de políticas mais amplas de conscientização e treinamento. “Não basta construir as salas. É importante que as equipes estejam preparadas para entender e atender as necessidades das pessoas com TEA. Esse é um passo essencial para evitar comportamentos capacitistas e promover um acolhimento verdadeiramente humano”, afirma Alice Santos.
Para Chintya Azevêdo, é fundamental ampliar a empatia em relação aos passageiros neurodivergentes. “Ainda há pouca compreensão sobre o TEA, especialmente em adultos. É necessário implantar campanhas de conscientização nos aeroportos, com informações acessíveis sobre o cordão de girassol e as particularidades das pessoas com deficiência invisível, como o TEA. Além disso, é preciso investir em treinamento para que os colaboradores compreendam as especificidades do espectro e possam auxiliar os passageiros de forma empática, independentemente do nível de suporte ou faixa etária”, conclui.
O futuro da inclusão nos aeroportos
A instalação das salas multissensoriais e a ampliação de políticas inclusivas refletem uma mudança importante no setor de transporte aéreo. Com iniciativas como essas, os aeroportos brasileiros começam a se alinhar aos padrões internacionais de acessibilidade, garantindo que todos os passageiros, independentemente de suas condições, possam viajar com dignidade, segurança e bem-estar.
Essa transformação, que conecta tecnologia, sensibilidade e compromisso social, demonstra a necessidade de olhar para o futuro com mais inclusão e acolhimento, tornando o ato de viajar uma experiência acessível para todos.