A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ativou, nesta segunda-feira (1), a bandeira tarifária vermelha patamar 2, que adiciona R$7,87 à conta de luz a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos. Essa medida impacta tanto consumidores residenciais quanto empresariais, com efeitos significativos no orçamento das famílias nordestinas e setores como a produção agrícola.
A nova tarifa representa um aumento em relação ao mês anterior, quando vigorava a bandeira vermelha patamar 1. A mudança foi impulsionada pela baixa precipitação e o aumento dos preços de referência da energia, consequência da seca nos reservatórios do país.
Em média, residências urbanas no Brasil consomem entre 150 kWh e 200 kWh por mês, sem considerar o uso de ar-condicionado. O aumento também afeta as tarifas empresariais, elevando os custos para atividades econômicas que demandam alta quantidade de energia elétrica.
Impacto no orçamento das famílias nordestinas
O economista Diego Farias explica que o aumento nos custos das contas de energia, decorrente do sistema de bandeiras tarifárias, impacta principalmente consumidores residenciais e pequenos negócios, pois as grandes empresas, ao comprarem energia no mercado livre, são protegidas dessas oscilações. “Por isso, o impacto costuma ser mais significativo no orçamento das famílias”.
Ele explica que os efeitos dessa medida na inflação serão sentidos diretamente, já que a maioria dos indicadores se concentra na inflação ao consumidor. O aumento impactará principalmente o orçamento doméstico, especialmente das famílias de baixa renda. “Esse cenário reduz o poder de compra, limitando os recursos para despesas essenciais e forçando uma reavaliação do padrão de consumo. A dificuldade em arcar com esses custos pode aumentar a inadimplência, comprometendo o acesso ao crédito e afetando a economia local”, afirma.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) do IBGE, o rendimento médio domiciliar per capita na região foi de apenas R$1.146 em 2023. Com a elevação das contas de luz, essa realidade se torna ainda mais desafiadora. Nesse sentido, Farias enfatiza a necessidade de o governo implementar programas sociais que ofereçam suporte às famílias vulneráveis, como isenções e reduções tarifárias. “Essas medidas são essenciais para aliviar a pressão financeira enfrentada por esses consumidores”
Além disso, ele sugere que o investimento em eficiência energética, como a troca de lâmpadas e a oferta de linhas de crédito para eletrodomésticos econômicos, pode contribuir significativamente para a diminuição do consumo. “Isso não só ajudaria a minimizar os custos, mas também promoveria uma gestão mais consciente dos recursos energéticos”, acrescenta.
Alimentos serão afetados
A produção de alimentos também deve ser afetada pela nova bandeira de energia. Segundo Humberto Miranda, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb), o impacto maior deve ser na fruticultura e na cafeicultura, onde a irrigação é amplamente utilizada.
“O custo da energia elétrica impacta significativamente a produção de culturas irrigadas. Com a ativação da bandeira 2, os custos de produção dos agricultores baianos devem subir, afetando várias outras culturas em que o estado é um grande produtor”, considera.
Miranda reforça que a situação preocupa todo o setor, pois dificulta a margem de lucro dos produtores e, consequentemente, a geração de empregos. “Quando os agricultores têm folga no orçamento, naturalmente contratam mais, o que impulsiona a economia”.
No que diz respeito à fruticultura, o presidente da Faeb afirma que o foco é orientar os pequenos produtores a se adaptarem ao aumento da tarifa de energia. “A Federação, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), busca formas de reverter a questão da bandeira 2. A assistência técnica e gerencial tem o objetivo de ajudar os produtores a adequar seus custos, garantindo a rentabilidade em uma atividade vital para o estado, que é o segundo maior produtor de frutas do Brasil e um importante exportador”.
Em relação à pecuária, tanto a suinocultura quanto a avicultura têm se tornado essenciais na economia rural baiana, com um rebanho bovino de mais de 14 milhões de animais. Muitas dessas atividades utilizam água de forma intensiva, especialmente em sistemas de produção intensiva. “Esse aumento de custos terá um impacto significativo a curto prazo”, ressalta Miranda.
Efeitos em toda a cadeia produtiva do leite
José Antunes Mota, presidente do Sindicato da Indústria de Lacticínios e Produtos Derivados no Estado do Ceará (Sindlacticínios – CE), ressalta que o aumento da energia elétrica impacta, de forma imediata, toda a cadeia produtiva dos laticínios.
Mota explica que diversos processos na cadeia dos laticínios dependem diretamente da energia elétrica, como os irrigadores para o pasto, os tanques de refrigeração do leite e as câmaras frigoríficas das indústrias. Ele ainda lembra que os mercados, onde os produtos são comercializados, também serão impactados pelos aumentos nos custos de energia.
Segundo ele, o aumento dos custos de produção, por conta da energia, varia entre 2% e 3%, afetando tanto o preço final dos produtos quanto o custo de fabricação. “Recentemente, tivemos que aumentar o preço do litro de leite para o produtor, levando em conta fatores como o consumo de energia. Esse impacto continuará refletido nas próximas faturas”, acrescenta.
Para amenizar esses efeitos, Mota aponta que tanto pequenos quanto grandes produtores estão buscando alternativas, como a energia solar. “Das nossas 26 filiais no interior, 12 já utilizam placas solares”.
Produtos da cesta básica devem manter sua estabilidade, mas é necessário realizar adaptações para garantir competitividade no mercado internacional
Do ponto de vista do mercado interno, os produtos da cesta básica não devem ser impactados, segundo o presidente da Faeb. “O produtor pode mitigar isso cortando custos em outras áreas, como mão de obra e insumos. É uma adaptação necessária à nova realidade das tarifas de energia, mas, a princípio, não esperamos aumento nos preços dos produtos da cesta básica”.
No entanto, Miranda alerta para a perda de competitividade nos mercados internacionais. “O mercado global é regido por normas e preços da bolsa. Com o aumento dos custos, o preço final dos produtos também sobe, tornando-nos menos competitivos em relação a países com custos de produção mais baixos”
As variações nos preços ao consumidor são sazonais e dependem da competitividade com produtos de outros estados e países. Por isso, os produtores precisam ajustar seus manejos e custos para manter a competitividade, evitando efeitos negativos na geração de emprego e renda no campo.
“Outro ponto é a geração de emprego e renda no campo, que afeta diretamente a migração de pessoas das zonas rurais e pequenas cidades para os grandes centros, em busca de oportunidades de trabalho. Nossa proposta vai na direção oposta: descentralizar os investimentos, fortalecendo as economias agropecuárias dessas pequenas cidades. Assim, podemos criar empregos de qualidade, garantir boa remuneração e manter as famílias no campo com qualidade de vida”, destaca Miranda.
Indústria também sinaliza uma preocupação com a perda de competitividade
Pedro Albuquerque, gerente do Observatório da Indústria Mais RN, ressalta que o aumento da tarifa de energia elétrica impacta diretamente as indústrias locais, resultando em uma gradual perda de competitividade.
“Isso se explica porque, em uma das especificidades do setor industrial, diferente de outros setores econômicos, o gasto com energia elétrica responde por quase 44% dos custos de produção, sendo, assim, o principal insumo na cadeia produtiva. Apesar dos avanços em plantas solares e na utilização de fontes renováveis, 80% das indústrias do Brasil ainda funcionam com base em energia elétrica direta da rede”, afirma, referindo-se a uma sondagem realizada pela Confederação Nacional da Indústria em 2024.
Albuquerque também avalia que o efeito indireto desse aumento será uma pressão maior sobre a inflação, uma vez que, em muitos casos, o reajuste será repassado à população. Ele exemplifica que 23,1% do preço final de uma cesta básica corresponde aos custos com energia elétrica, e estima-se que o impacto no IPCA para outubro de 2024 será entre +0,23% e +0,50%. Além disso, a energia elétrica consome, em média, 13% da renda das famílias.
Dessa forma, segundo Albuquerque, o aumento da tarifa não apenas reduz a competitividade das indústrias, mas também diminui o poder de compra da população. Setores como alimentos, confecção, mineração e serviços industriais de utilidade pública serão os mais afetados, já que operam em três turnos e mantêm suas plantas em funcionamento contínuo.
“O aumento da tarifa, portanto, impacta ainda mais o setor produtivo local e, sem dúvida, a sociedade em geral sentirá indiretamente os efeitos econômicos do reajuste”, conclui.
Estratégias para mitigar o impacto
O Rio Grande do Norte destaca-se como um dos líderes nacionais na geração de energia renovável, com ênfase especial na energia eólica, na qual o estado ultrapassa 10 GW de potência gerada, mais de três vezes o seu consumo interno, lembra Pedro Albuquerque. “Essa vocação para energias renováveis levou o Sistema FIERN, por meio do SENAI, a sediar o Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), um centro de excelência em estudos e inovação no setor”.
Entre as diversas atividades oferecidas pelo SENAI-RN, através do ISI e seu corpo técnico especializado, destaca-se a Consultoria em Eficiência Energética. A consultoria abrange projetos e serviços que visam a otimização e redução dos custos operacionais com energia elétrica, por meio da aplicação de ferramentas tecnológicas avançadas.
Entenda melhor o cenário de aumento de custos
O acionamento das bandeiras amarela e vermelha patamar 1 e 2 pela Aneel indica um aumento nos custos de geração de energia. A seca na região Norte do Brasil resultou na redução da geração de energia em usinas hidrelétricas, levando à necessidade de ativar usinas termelétricas, que apresentam custos mais elevados, especialmente durante os horários de pico de consumo.
O que são as bandeiras tarifárias?
As bandeiras tarifárias, instituídas em 2015 pela Aneel, refletem os custos variáveis associados à geração de energia elétrica. Essas bandeiras são categorizadas em diferentes níveis, mostrando o custo para o Sistema Interligado Nacional (SIN) gerar a energia consumida em residências, comércios e indústrias.
- Bandeira Verde: Indica condições favoráveis, sem aumento na tarifa da conta de luz.
- Bandeira Amarela: Refere-se a condições menos favoráveis, resultando em um acréscimo de R$1,88 a cada 100 kilowatt-hora (kWh) consumidos.
- Bandeira Vermelha – Patamar 1: Representa condições ainda mais desfavoráveis de geração, com um aumento de R$4,46 por 100 kWh consumidos.
- Bandeira Vermelha – Patamar 2: Denota condições muito desfavoráveis de geração, acarretando um acréscimo de R$7,87 a cada 100 kWh consumidos.
Durante o período em que a bandeira de escassez hídrica esteve em vigor, de setembro de 2021 a 15 de abril de 2022, os consumidores enfrentaram um custo adicional de R$14,20 por cada 100 kWh.