Quando se fala em fontes renováveis de energia, não é novidade que o Nordeste brasileiro se destaca como uma potência — um fator que vem fortalecendo sua competitividade econômica. A região responde por mais de 80% da capacidade instalada de energia eólica no país e também registra crescimento consistente na geração solar. Esse cenário torna o Nordeste um destino atrativo para empresas que buscam uma matriz energética limpa, estável e de menor custo.
Isso porque a energia renovável não apenas reduz a pegada de carbono das companhias instaladas, mas também representa uma vantagem logística e financeira, atraindo novos empreendimentos industriais que priorizam a sustentabilidade em suas operações.
Infraestrutura e políticas públicas como alicerces
A competitividade energética do Nordeste é sustentada por políticas públicas que incentivam a expansão da geração renovável e pela atuação de instituições financeiras regionais, como o Banco do Nordeste (BNB), que financia projetos sustentáveis. A melhoria da infraestrutura de transmissão também tem sido central no planejamento estratégico da região, embora ainda enfrente gargalos.
A Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), em declaração ao Investindo Por Aí, destaca que o sucesso da região está ligado à conjunção de condições naturais excepcionais — como ventos constantes e bem direcionados — com fatores técnicos e regulatórios.
“A região apresenta um dos melhores ventos do mundo, com intensidade constante e direção definida. Esse potencial natural foi identificado no início dos anos 2010, quando a energia eólica passou a ocupar um papel central na matriz elétrica brasileira”, diz a associação.
“Saímos de menos de 1 GW de capacidade instalada em 2010 para mais de 33 GW em 2024, e boa parte desse crescimento ocorreu no Nordeste, que hoje abriga mais de 90% da capacidade instalada do país”, complementa.
Ainda segundo a ABEEólica, o Nordeste passou a contar com uma energia abundante, renovável e de baixo custo, atraindo investimentos, promovendo o crescimento industrial, gerando empregos e garantindo estabilidade ao sistema.
Hidrogênio verde: próxima fronteira de inovação
Além da energia eólica e solar, o Nordeste se posiciona como protagonista na produção de hidrogênio verde. A região já concentra esforços de pesquisa e desenvolvimento para consolidar essa nova fronteira energética. O Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), localizado no Rio Grande do Norte, é um dos principais centros de referência do país.
“Trabalhamos com o mapeamento dos potenciais brasileiros, tanto eólico quanto solar, e com o desenvolvimento de rotas mais eficientes para a produção de hidrogênio no ambiente industrial”, afirma o diretor do SENAI-RN e do ISI-ER, Rodrigo Mello.
“Cada região do país tem condições específicas de geração de energia, por isso buscamos garantir segurança e clareza tecnológica para a chegada dos investimentos, especialmente os internacionais”, acrescenta.”, acrescenta.
Nesse sentido, conforme Mello, o SENAI-RN tem a responsabilidade de contribuir com soluções inovadoras, desde modelos logísticos até formas de consumo do hidrogênio, seja direto ou convertido em outros produtos como amônia ou eletricidade.
Esse cenário torna o Nordeste um destino atrativo para empresas que buscam uma matriz energética limpa, estável e de menor custo. O Investindo Por Aí, inclusive, desenvolveu uma série especial sobre o hidrogênio verde, que pode ser acessada aqui.
Gargalos no sistema elétrico e desafios de transmissão
Mesmo com os avanços do setor, a expansão da energia renovável no Nordeste ainda enfrenta barreiras estruturais. A principal delas é a defasagem entre o ritmo acelerado de crescimento da geração e a capacidade limitada de transmissão de energia. Segundo especialistas, esse desequilíbrio tem impactos diretos sobre a segurança jurídica e financeira dos investimentos privados.
“A indústria de energias renováveis é tecnologicamente madura e qualificou muita mão de obra nos últimos 20 anos”, afirma Rodrigo Mello, diretor do setor.
Como reflexo desse cenário, Mello observa uma mudança no perfil da demanda: hoje, há um foco maior nas áreas de operação e manutenção (O&M), em detrimento da construção de novos parques.
Ele destaca ainda que o verdadeiro gargalo está no chamado corteio — quando o Operador Nacional do Sistema determina que empresas interrompam o fornecimento de energia, mesmo após terem sido contratadas. “Isso gera um conflito entre o investimento privado e a gestão pública, que precisa ser resolvido com urgência para não desperdiçarmos uma grande oportunidade de atrair capital”, alerta o diretor.
A ABEEólica corrobora esse diagnóstico e aponta a necessidade de modernizar o planejamento do sistema elétrico nacional. “O avanço da geração, especialmente no Nordeste, superou a expansão das redes de escoamento, o que resultou em restrições operativas e curtailment (redução forçada da geração de energia), quando parte da energia gerada não pode ser entregue ao sistema”, afirma a associação.
“O governo tem realizado leilões específicos de transmissão e promovido esforços de planejamento, mas os gargalos persistem”.
A ABEEólica defende que é necessário modernizar o planejamento da transmissão, com mais agilidade, previsibilidade e integração aos cronogramas dos projetos de geração. Para a entidade, é essencial que o sistema elétrico acompanhe, de forma eficiente, a transformação da matriz energética.
Resultados locais e impacto econômico
Os benefícios da expansão energética vão além da oferta estável e renovável de eletricidade. Segundo a ABEEólica, os investimentos em energia eólica têm impacto direto nos indicadores econômicos e sociais da região. O setor tem impulsionado a geração de empregos, o crescimento da renda e o desenvolvimento de municípios historicamente menos favorecidos.
“Em momentos históricos, como em novembro de 2018, a energia dos ventos chegou a atender 100% da demanda elétrica da região por algumas horas”, lembra a ABEEólica.
A associação destaca estudos que indicam que, para cada R$1 investido em um parque eólico, há um impacto de R$2,90 sobre o Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, os investimentos geram efeitos positivos no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e no PIB dos municípios, com aumentos de 20,19% e 21,15%, respectivamente.
Sustentabilidade como motor de desenvolvimento
A sustentabilidade se tornou um pilar estratégico para a competitividade industrial, e a atuação do SENAI tem sido decisiva nesse processo. A instituição participa ativamente da transição energética, oferecendo soluções técnicas para descarbonização e eficiência no uso dos recursos.
“O SENAI atua sempre em parceria com as empresas, desenvolvendo soluções voltadas à redução de emissões de carbono e ao uso mais eficiente da energia”, explica Mello.
“A eficiência energética é uma tradição da rede SENAI, presente desde pequenas padarias até grandes refinarias. Ela impacta diretamente nos custos das empresas e continuará sendo uma prioridade enquanto buscarmos maior eficiência industrial, que é a razão de existir do SENAI”, reitera o diretor.
O marco legal para a energia eólica offshore, aprovado recentemente, é mais um passo para ampliar o protagonismo energético do Nordeste. A Lei nº 15.097/2025 abre espaço para novos investimentos em áreas com alto potencial técnico no litoral da região.
“A sanção da Lei nº 15.097/2025 abre uma nova frente para atração de investimentos, especialmente nos estados do litoral nordestino com alto potencial técnico”, conclui a ABEEólica.
Empresas que se instalaram no Nordeste impulsionadas pela energia renovável
O acesso a fontes de energia limpa e abundante tem sido um fator decisivo para a instalação de diversas empresas no Nordeste brasileiro. Abaixo, destacamos alguns exemplos de companhias que escolheram a região por sua matriz energética sustentável:
Vulcabras
A fabricante de calçados esportivos Vulcabras firmou um contrato de R$150 milhões com a Casa dos Ventos para o fornecimento de energia eólica ao longo de 13 anos. Esse acordo abastece suas fábricas em Itapetinga (BA) e Horizonte (CE), garantindo energia limpa e reduzindo significativamente as emissões de CO₂.
Aeris Energy
Especializada na fabricação de pás para geradores eólicos, a Aeris Energy estabeleceu sua planta industrial no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CE). A localização estratégica e a proximidade com fontes de energia renovável foram determinantes para a escolha do local.
Voltalia
A empresa francesa Voltalia investiu em projetos de energias renováveis no Rio Grande do Norte, totalizando mais de 1 GW em capacidade instalada. A região foi escolhida devido ao seu elevado potencial eólico e solar, além do apoio governamental a projetos sustentáveis.
SPIC Brasil
A SPIC Brasil opera dois parques eólicos na Paraíba e dois complexos solares no Ceará e Piauí. A escolha do Nordeste para esses empreendimentos se deve à abundância de recursos naturais e ao compromisso da região com a energia limpa.
*Esta é a segunda reportagem da série Nordeste Sustentável. A primeira pode ser conferida aqui.