A nova lei de estímulo ao cooperativismo, sancionada pelo presidente Lula, abre caminho para um ambiente mais favorável ao setor, com novos incentivos e diretrizes para a autogestão. O texto estabelece parâmetros para fortalecer as cooperativas e ampliar seu acesso a políticas de fomento, alinhando-se a modelos já testados no Nordeste que podem servir de referência para a implementação das medidas.
A Lei 15.068/2024, estabelece a Política Nacional de Economia Solidária (PNES) e o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes), além de regulamentar os empreendimentos do setor. A norma foi publicada no Diário Oficial da União em dezembro passado, sem vetos, e representa um avanço para um modelo de negócios baseado na autogestão e na distribuição equitativa de riquezas.
Para o Secretário Executivo do Cooperativismo e Economia Solidária de Alagoas, Adalberon Sá Júnior, a sanção marca o fim de uma espera de mais de uma década. “Foram 12 longos anos de tramitação no Congresso, com muitas alterações ao longo do caminho. Mas conseguimos um marco normativo essencial, que finalmente insere a economia solidária na legislação federal, algo que o cooperativismo já possuía desde 1971”, afirmou Adalberon ao Investindo por Aí.
A nova lei leva o nome do economista e sociólogo Paul Singer (1932-2018), referência no tema e ex-titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária no primeiro governo Lula (2003-2006). O texto é originário do PL 6.606/2019, do deputado licenciado e atual ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e teve a relatoria do senador Jaques Wagner (PT-BA) no Senado.
Principais mudanças e impactos
A PNES define a economia solidária como atividades econômicas organizadas coletivamente, pautadas pela autogestão, comércio justo, cooperação e sustentabilidade. Para Adalberon, a lei estabelece bases fundamentais para o setor: “Antes, havia apenas uma conceituação teórica. Agora, temos uma definição legal clara do que é economia solidária e dos critérios que um empreendimento precisa atender para ser reconhecido. Isso dá segurança jurídica e fortalece as iniciativas já existentes”.
Além de definir e regulamentar os empreendimentos, a norma também cria uma nova figura jurídica para esse modelo de negócios. “Esse é um dos pontos mais relevantes. Antes, os empreendimentos tinham que se enquadrar como cooperativas ou associações, o que muitas vezes limitava sua atuação. Agora, temos a figura jurídica própria do empreendimento de economia solidária, garantindo maior reconhecimento e facilitando sua formalização”, explicou Adalberon.
A lei também reativa o Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários (CadSol), essencial para mapear e estruturar o setor. “Esse cadastro já existia, mas foi descontinuado em 2013 com o desmonte da política nacional de economia solidária. Agora, ele retorna como uma ferramenta essencial para mensurar o impacto econômico e social dessas iniciativas”, ressaltou o secretário.
Outro avanço é a criação do Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes), que integrará governo federal, estados, municípios e entidades representativas. “A inclusão dos governos estaduais e municipais é estratégica para descentralizar e ampliar o apoio ao setor. Em Alagoas, por exemplo, já temos uma Secretaria Executiva de Cooperativismo e Economia Solidária, o que nos coloca em uma posição privilegiada para implementar as diretrizes da nova política”, destacou.
Perspectivas para o setor
Com a sanção da PNES, os empreendimentos solidários ganham uma nova perspectiva de crescimento e fortalecimento. “A economia solidária tem um papel fundamental na inclusão socioeconômica e na geração de renda de forma coletiva e sustentável. Agora, com uma política nacional estruturada, podemos avançar ainda mais na valorização desse modelo”, concluiu Adalberon.
A regulamentação da lei ainda será um passo fundamental para sua plena implementação, especialmente no que diz respeito às implicações tributárias e ao funcionamento prático da nova figura jurídica. No entanto, o setor já celebra a conquista como um marco histórico na luta pelo reconhecimento e fortalecimento da economia solidária no Brasil.
“Quando falamos de cooperativas, já estamos nos referindo a um modelo que, por sua própria natureza, empodera os participantes. Elas surgem como uma resposta à luta por direitos, por uma gestão mais justa e equitativa. A nova lei, que regulamenta e fomenta o cooperativismo e a economia solidária, vai muito além. Ela amplia e reforça esse empoderamento, dando suporte e incentivo ao setor, criando novas diretrizes que fortalecerão as cooperativas no Brasil. O que essa legislação faz é um estímulo adicional, não um empoderamento novo. O empoderamento já está presente na essência das cooperativas, e a lei simplesmente dá mais base, mais segurança e mais oportunidades para que elas se desenvolvam e se consolidem”, afirma Renan Laurentino.
A nova Lei Paulo Singer (Lei 15.068/2024) tem como um dos seus principais objetivos fortalecer as cooperativas e suas práticas de autogestão, com um enfoque específico na economia solidária. “A autogestão, que já é um pilar importante dentro das cooperativas, vai se fortalecer ainda mais com essa legislação”, explica Laurentino. “Ela adota um formato mais rigoroso, algo próximo a um sistema de compliance, onde as responsabilidades são compartilhadas e a transparência é o princípio que rege a gestão. A ideia é criar uma gestão mais democrática, participativa e, ao mesmo tempo, mais responsável e fiscalizada. Isso permitirá que as cooperativas se organizem de maneira mais eficiente, atendendo melhor as necessidades dos membros e contribuindo para o desenvolvimento local”, destaca o economista.
Fortalecimento de modelos cooperativos no Nordeste
A nova legislação também tem um impacto direto em diversas áreas do setor produtivo, com destaque para o Nordeste. De acordo com Laurentino, “os modelos que mais se beneficiarão dessa nova estrutura são as cooperativas que atuam em setores como artesanato, produção de mel, pesca, e cooperativas de crédito. Também vemos uma grande oportunidade nas cooperativas relacionadas ao meio ambiente, como o exemplo da Biota, que trabalham com a preservação e utilização sustentável dos recursos naturais. Esses setores, que já possuem uma forte presença no Nordeste, agora contarão com um respaldo institucional muito mais robusto.”
O economista também acredita que a lei tem um impacto importante para o agronegócio. “O setor agropecuário, especialmente em áreas como a caprinocultura, é outro que pode se beneficiar bastante. Cooperativas de pequenos produtores, como as que trabalham com produtos derivados do mel ou com o cultivo de caprinos, terão mais espaço para crescer, com incentivos que promovem um modelo de negócio justo, ético e sustentável”, observa Laurentino.
Aproximação entre produtores e consumidores
Uma das metas centrais da Lei Paulo Singer é aproximar consumidores e produtores, criando um ambiente mais favorável ao consumo consciente e ao comércio justo. “A lei tem um foco claro em aproximar o consumidor desses produtores locais. Isso não só fortalece as cooperativas, mas também impulsiona a prática do consumo responsável. Ao fomentar essas práticas de comércio justo e solidário, a legislação não só cria um mercado mais justo para as cooperativas, mas também estimula um desenvolvimento mais sustentável das economias locais”, afirma Laurentino.
No Nordeste, a aplicação dessa nova política poderá transformar economias de pequenas comunidades. “O exemplo da Ilha do Ferro e do Pontal do Cururipi, que já possuem cooperativas de artesanato com produtos tradicionais como palha, é um reflexo claro de como essa lei pode gerar impacto positivo. Para essas comunidades, ela não só gera renda e empregos, mas também oferece uma oportunidade para que as práticas sustentáveis sejam mais valorizadas, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento social e econômico”, complementa.
Além de promover o desenvolvimento econômico, a Lei Paulo Singer é vista por Laurentino como uma ferramenta para impulsionar a sustentabilidade social. “O grande ganho da economia solidária é que ela não se limita à geração de riquezas, mas também foca no bem-estar da coletividade, promovendo uma distribuição mais equitativa dos recursos. O que essa lei faz é dar suporte a um modelo que não busca o lucro individual, mas o bem-estar coletivo”, argumenta. “Ela fortalece a capacidade dessas cooperativas de gerarem emprego e renda para os pequenos produtores e também impulsiona o desenvolvimento de pequenas localidades, criando novas possibilidades para quem, muitas vezes, está à margem do mercado convencional”.
A Lei Paulo Singer representa, portanto, não só uma conquista para o cooperativismo, mas também uma oportunidade de transformar a economia solidária em um dos pilares para o desenvolvimento sustentável do país.