Jornalismo econômico para a inovação no Nordeste -
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20 de março de 2025 12:42

Dinâmico e pujante, audiovisual nordestino triunfa em festivais, mas carece de mais evidência no Brasil

Dinâmico e pujante, audiovisual nordestino triunfa em festivais, mas carece de mais evidência no Brasil

Indicação de “Ainda Estou Aqui” ao Oscar 2025 destaca o potencial da indústria audiovisual brasileira; entenda como se dá o setor na região Nordeste

O sucesso de “Ainda Estou Aqui”, que concorre a três categorias no Oscar 2025 — Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres — despertou um interesse renovado pela produção audiovisual brasileira. Pouca gente sabe, entretanto, que o Nordeste apresenta um audiovisual pujante, fruto tanto das políticas de incentivo federais como de estratégias regionais que estimulam a economia criativa.

Um exemplo recente da força do cinema nordestino é “O Último Azul”, dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro, que foi reconhecido com um importante prêmio na 75ª edição do Festival de Berlim. A produção recebeu o Urso de Prata neste sábado (22/2), a segunda mais importante estatueta do festival concedida pelo grande júri. 

A região se sobressai ainda mais com produções como Sem Coração (PE/AL), Saudade Fez Morada Aqui Dentro (BA) e Mais Pesado é o Céu (CE), que vêm conquistando visibilidade em festivais nacionais e internacionais. Esses filmes não apenas demonstram a riqueza e diversidade da cena cultural nordestina, como também impulsionam a economia local, gerando empregos e fortalecendo a cadeia produtiva do setor.

O filme também recebeu o Prêmio do Júri Ecumênico, que reconhece obras com temas espirituais e sociais, e o Prêmio do Júri de Leitores do Berliner Morgenpost, concedido por leitores do jornal alemão. Estrelado por Denise Weinberg e Rodrigo Santoro | Foto: Divulgação/Primeiro Plano

A sustentação da indústria do audiovisual no Nordeste

Os dados da Ancine revelam que, no Nordeste, há 2.418 agentes econômicos registrados. Desses, 1.930 são originários da própria região. Esse mercado vem ganhando força, mas ainda depende de financiamentos contínuos para garantir seu crescimento e expansão.

Gabriel Pires, membro da diretoria da CONNE (Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste), entidade formada por empresas produtoras e profissionais do audiovisual dessas regiões, além do Distrito Federal, destaca que o financiamento é uma questão sempre sensível. “Há estados com obrigatoriedades legais que conseguem manter uma série histórica de aportes ao setor, garantindo a continuidade das empresas, a geração de empregos e contribuindo para a construção de um imaginário sobre esses locais”.

Ele acrescenta que, após vencer o desafio de garantir recursos perenes para a estruturação de uma cadeia econômica sólida nos estados, surge uma dificuldade que precisa ser superada: alcançar efetivamente o público. “Nesse sentido, é preciso aprimorar o financiamento à distribuição, não apenas na parte operacional, mas também investir de forma consistente em estratégias para mobilizar o público, especialmente para os cinemas, já que grande parte da nossa produção ainda é voltada para longas-metragens”, complementa.

O presidente da Ceará Audiovisual Independente (CEAVI), Roger Pires, por sua vez, ressalta que a ausência de investimentos estaduais compromete o fortalecimento da indústria local, que no passado foi beneficiada por aportes mistos entre os governos federal e estadual. 

Atualmente, o audiovisual no Nordeste depende principalmente dos investimentos federais. No Ceará, por exemplo, o principal edital do setor foi retomado após três anos, com um investimento federal de R$15,9 milhões provenientes da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura. 

“Mais uma vez estamos nos apoiando no recurso federal, mas o governo do Estado do Ceará não está investindo”, afirma Roger em entrevista ao Diário do Nordeste.

Em contraste, Pernambuco implementou políticas robustas de incentivo ao cinema, incluindo a criação do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) em 2003, que —  durante a gestão de Eduardo Campos (2007-2014) — destinou R$11,5 milhões ao audiovisual. Essas iniciativas resultaram em uma produção cinematográfica prolífica, destacando filmes como “O Som ao Redor” (2012), de Kleber Mendonça Filho e “Tatuagem” (2013), de Hilton Lacerda. 

Gabriel Pires é formado em Comunicação pela FACOM/UFBA, com habilitação em Produção em Comunicação e Cultura | Foto: Divulgação-Academia Brasileira de Cinema.

Recentemente, o Governo de Pernambuco obteve a aprovação de seu plano de ação da Lei Paulo Gustavo junto ao Ministério da Cultura, garantindo um aporte de R$100,1 milhões para a cadeia produtiva cultural do estado. Com esse investimento, o orçamento da cultura estadual praticamente dobrou, passando de R$115,4 milhões para R$215,5 milhões.

Parte desses recursos foi destinada à reforma e manutenção de equipamentos culturais, como o Cinema São Luiz, no Recife, e o Theatro Cinema Guarany, em Triunfo. Além disso, os fundos serão aplicados em editais de fomento, premiações e incentivos, seguindo diretrizes de descentralização e acessibilidade, com o objetivo de fortalecer ainda mais o setor cultural pernambucano.

Distribuição e regulação são gargalos

Gabriel explica que a região ainda conta com poucas distribuidoras instaladas, o que impacta diretamente a circulação das produções. “Têm surgido algumas, mas elas ainda não dão conta de todo o volume do que vem sendo produzido”, conta o diretor. Além disso, outros pontos a serem considerados são o subfinanciamento dos processos de distribuição, junto à uma intensa disputa por datas em salas de cinema, que frequentemente priorizam filmes internacionais.

Diante desse cenário, entidades como a CONNE assumem um papel estratégico na promoção do mercado audiovisual nordestino, articulando ações que impulsionam o desenvolvimento do setor. “A CONNE tem sido presente e ativa nas discussões sobre as políticas públicas e o impacto dessas no mercado audiovisual. Temos uma pauta urgente que é de todo o audiovisual brasileiro: regular o Vídeo Sob Demanda (VOD)”, enfatiza Gabriel.

O diretor detalha que, nas discussões sobre o VOD, há uma tentativa de minimizar a relevância do setor na economia e de gerar receios infundados, quando o verdadeiro debate envolve garantir espaço para a produção nacional nessa que se tornou uma das principais formas de consumo de conteúdo audiovisual. 

“Sobre as plataformas, precisamos de uma regulação efetiva dos serviços de Vídeo Sob Demanda. Precisamos reafirmar e aprofundar o relacionamento com as televisões locais. Algumas já são abertas às produções independentes, mas isso precisa ser algo recorrente e não apenas projetos especiais ou pontuais”, reforça Gabriel.

Ele menciona que os Arranjos Regionais são essenciais para estimular os governos locais a captar recursos do governo federal e investir em empresas locais. “Precisamos que as empresas nordestinas e aquelas instaladas na região comecem a investir em projetos das produtoras locais, utilizando mecanismos de fomento que concedem isenção fiscal de Imposto de Renda. Esse talvez seja o principal desafio para ampliar os recursos disponíveis para o setor no Nordeste”, conclui Gabriel.

(Re) descobrindo o Nordeste

Fundada em 15 de julho de 1963, a L.C. Barreto Produções Cinematográficas construiu uma trajetória tão marcante que se entrelaça com a própria história do cinema no Brasil e na América Latina. Com mais de 80 produções e coproduções de curta e longa-metragem ao longo de mais de cinco décadas, a produtora consolidou seu papel no cenário audiovisual.

Entre essas produções, diversas foram rodadas no Nordeste. O filme “Lula, o Filho do Brasil” começou a ser filmado no final de janeiro de 2009 em Garanhuns. “Memórias do Cárcere” teve parte de suas gravações realizadas em Alagoas, enquanto “Bye Bye Brasil” passou por diferentes locações, incluindo Maceió. Já a minissérie “Dona Flor e Seus Dois Maridos” teve a maior parte das cenas externas filmadas em Salvador. Além disso, “Vidas Secas” foi gravado nos municípios de Palmeira dos Índios e Minador do Negrão, no sertão alagoano.

Bruna Dantas, produtora executiva da  L.C. Barreto, evidencia que dois fatores principais tornam o Nordeste um local atrativo para filmagens: sua gente e suas belezas naturais. “O povo nordestino é extremamente acolhedor e talentoso. E as paisagens encontradas lá são únicas e muitas vezes inusitadas mesmo, como os cânions do Rio São Francisco, em Piranhas, onde filmamos a cena inicial do filme”, ressalta.

Ela salienta ainda que a conexão pessoal do diretor Cacá Diegues com Maceió foi um fator decisivo na escolha da cidade para as filmagens de “Deus Ainda é Brasileiro”, sequência do clássico “Deus é Brasileiro” (2003) e o último filme dirigido por ele em vida. “No nosso caso, havia também o fato de o diretor Carlos Diegues ser natural de Maceió, o que fez nossa produção ter sido sempre muito bem-vinda e acolhida pelo povo e pelos empresários, com os quais conseguimos apoios importantes para a realização do filme”, considera.

Os dados foram apresentados no Cine Glauber Rocha, no Centro, durante o SalCine Conecta, evento que liga profissionais e players do mercado audiovisual e revisita discussões relevantes sobre o setor | Foto: Jefferson Peixoto/Secom PMS.

Como se dá o impacto econômico das produções realizadas no Nordeste

Bruna Dantas explica que a produção de um filme sempre tem grande importância na economia local. “Com nossa produção, ‘Deus Ainda É Brasileiro’, inteiramente filmada em Alagoas, não foi diferente”, destaca a produtora.

Além disso, ela ressalta que o patrocínio do Governo de Alagoas foi integralmente utilizado no estado, mas que também foi necessário trazer recursos do Rio de Janeiro para complementar os investimentos. “Geramos pelo menos 80 empregos diretos e promovemos o aperfeiçoamento profissional de técnicos e atores locais”, pontua a produtora.

Esse crescimento do setor audiovisual não se restringe a Alagoas e tem sido observado em diversas partes do Nordeste. Em Salvador, por exemplo, o mercado audiovisual tem registrado uma expansão expressiva. Nos últimos dez anos, o número de empresas e vínculos empregatícios no setor cresceu 250%, segundo a pesquisa Panorama do Audiovisual Soteropolitano.

O estudo, realizado pelo Observatório do Audiovisual Baiano em parceria com o Observatório da Economia Criativa e a Universidade do Estado da Bahia (Uneb), foi encomendado pela SalCine e pela Fundação Gregório de Mattos (FGM). Ele mapeia o desenvolvimento do setor entre 2013 e 2023, analisando avanços e desafios a serem superados.

Equipe Deus Ainda é Brasileiro; Bruna Dantas à esquerda; | Foto: Gabriel Moreira.

Bruna enfatiza que a contribuição econômica da produção não se limita ao período das filmagens. “A produção foi muito benéfica para a economia local e continuará sendo quando o filme for lançado, já que dará visibilidade ao estado de Alagoas, nacional e internacionalmente, promovendo o turismo”, conclui

Investimentos federais batem recorde

No último ano, no Dia Nacional do Cinema Brasileiro (19/06), o Governo Federal anunciou um investimento recorde de R$1,6 bilhão para fortalecer a indústria audiovisual. Esse montante, o maior da série histórica, será destinado à produção de filmes e séries brasileiras, com destaque para coproduções internacionais, que receberão R$200 milhões. A iniciativa atraiu 476 projetos de 47 países, consolidando o Brasil como um polo competitivo no cenário global.

No âmbito do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), destaca-se a ampliação dos Estúdios Rio, que inclui a construção de oito novos estúdios e a modernização de outros oito, elevando o complexo a padrão internacional. O projeto deve gerar 7.800 empregos (2.500 diretos e 6.300 indiretos), fortalecendo o Brasil como polo global da indústria criativa. Nesse contexto, o turismo também pode se beneficiar, atraindo visitantes e impulsionando a economia local.

Entre as demais iniciativas, encontram-se a regulamentação da cota de tela pela Lei nº 14.814/2024, que exige a exibição mínima de filmes nacionais até 2033. Além disso, o BNDES FSA Audiovisual, uma linha de crédito de R$400 milhões em parceria com o Ministério da Cultura e a Ancine, foi criado para apoiar três áreas: Infraestrutura; Inovação e Acessibilidade; Conteúdo e Comercialização.

O evento de anúncio contou com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da ministra da Cultura, Margareth Menezes, e de diversas personalidades do cinema nacional | Foto: Rafael Magalhães

O lado invisível do audiovisual nordestino

O audiovisual nordestino está em constante evolução, mas ainda enfrenta desafios consideráveis, como apontado pelo diretor executivo da Preview Filmes, Fernando Guedes. “O desafio é tentar produzir com a mesma eficiência e qualidade dos mercados dos grandes centros, mas com um custo mais baixo, tendo em vista que os clientes são, em sua maioria, locais e regionais”, destaca. 

Embora a percepção de audiovisual esteja muitas vezes ligada ao cinema, séries e novelas, o mercado local, como bem pontuado por Guedes, vai além desses formatos tradicionais. Ele observa que a descentralização da mídia tem um papel crucial nesse cenário. As produções voltadas para a internet, por exemplo, possuem orçamentos muito mais modestos do que aquelas voltadas para a televisão. Essa diferença de recursos demanda não apenas uma nova abordagem orçamentária, mas também uma adaptação rápida. A flexibilidade, portanto, é essencial para que as produtoras nordestinas mantenham sua competitividade, mesmo com os desafios impostos por um orçamento mais restrito.

A busca por eficiência está diretamente ligada à necessidade de produzir “sempre mais com menos”. Nesse processo, a tecnologia tem sido uma aliada significativa. Guedes destaca que a evolução do setor trouxe a possibilidade de integrar profissionais de diferentes partes do Brasil para projetos locais. “Hoje conseguimos ter acesso a profissionais do Brasil todo—diretores de cena, diretores de fotografia, coloristas — e trabalhar de forma remota, integrando profissionais de diferentes estados”, considera. 

Por fim, Guedes observa que, diferente do que muitos poderiam supor, a região tem recebido um bom atendimento. “No geral, acredito que tanto as capitais do Nordeste quanto as cidades do interior estão sendo bem atendidas por empresas e profissionais da própria região”. 

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