Desde que reassumiu a presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025, Donald Trump intensificou sua agenda protecionista. Com isso, teve início uma nova escalada nas barreiras comerciais. Em fevereiro, Trump anunciou tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio — decisão que atinge diretamente o Brasil.
O país foi o terceiro maior fornecedor de aço para os EUA em 2024, com 15,5% do total importado, o equivalente a 4,08 milhões de toneladas e quase US$3 bilhões em receita. No setor de alumínio, as exportações brasileiras somaram US$796 milhões, representando 14% do total embarcado aos EUA. Com as novas tarifas, o desempenho desses setores está em risco.
Além disso, a imposição de tarifas de até 145% pelos EUA sobre produtos chineses levou a China a retaliar com impostos de até 125% sobre bens americanos. Essa intensificação da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo tem repercussões globais. Com o fechamento parcial do mercado americano aos produtos chineses, há uma tendência de redirecionamento dessas exportações para mercados alternativos, como o brasileiro.
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Oportunidades para o Nordeste
Esse novo fluxo comercial pode impactar diretamente a economia de regiões que vêm apresentando desempenho positivo, como o Nordeste, que registrou crescimento acima da média nacional em 2024. No entanto, manter esse ritmo pode ser desafiador diante das incertezas do cenário internacional e do possível aumento da concorrência com os produtos asiáticos.
O economista e professor da UFAL, Fábio Leão, observa que a nova tarifa de 10% sobre produtos brasileiros é relativamente baixa em comparação às aplicadas a países como China e Vietnã, o que pode abrir espaço para que cadeias produtivas brasileiras, especialmente no Nordeste, ocupem nichos deixados por concorrentes internacionais.
“No Nordeste, a competitividade dos produtos pode crescer em relação aos grandes produtores asiáticos, abrindo oportunidades de exportação para os EUA e outros mercados”, comenta.
É o que também avalia o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN), Roberto Serquiz. “O entendimento é de que as oportunidades estão nos produtos que hoje são exportados pela China para os EUA que são produzidos também no Rio Grande do Norte”, afirma.
Segundo ele, o Rio Grande do Norte já exporta, em parte, minério de ferro para os Estados Unidos. Além disso, produtos como granito, quartzo e mármore também têm potencial para ampliar sua presença no mercado norte-americano. Esses itens, todos produzidos no estado, estão entre os que podem atender à nova demanda gerada pelas tarifas impostas aos produtos chineses.
Outro destaque é o setor têxtil. “No Rio Grande do Norte, contamos com oficinas de costura que já produzem em escala para a indústria nacional de confecções e que têm potencial para ampliar seu parque fabril visando o mercado norte-americano. Atualmente, já exportamos peças de vestuário, bonés e outros itens do setor”, destaca o presidente da FIERN.
Setores estratégicos e políticas públicas recomendadas
Leão identifica setores com grande potencial para se beneficiar da reorganização comercial global:
- Agronegócio: a produção de frutas tropicais, como manga, melão e castanha de caju, pode ganhar espaço nos mercados globais, impulsionada por novas rotas comerciais e pelo aumento da demanda internacional;
- Energia renovável: com o aumento do interesse global por fontes de energia limpa, a região tem potencial para atrair investimentos em energia solar e eólica, além de exportar tecnologia e expertise nesse setor;
- Indústria têxtil e calçadista: tradicionalmente forte no Ceará e em Pernambuco, o setor pode se beneficiar da reconfiguração das cadeias globais em busca de alternativas mais próximas e competitivas;
- Tecnologia e serviços: o setor pode atrair empresas globais em busca de talentos e custos competitivos; Recife se destaca como hub de inovação, com o Porto Digital como exemplo de sucesso.
Para transformar essas oportunidades em realidade, Leão sugere políticas públicas estratégicas, como investimentos em infraestrutura, incentivos fiscais de curto prazo, programas de capacitação profissional, apoio à inovação e facilitação do acesso a mercados internacionais.
Infraestrutura ainda é entrave da competitividade
Apesar das oportunidades que se desenham, Serquiz alerta para os desafios logísticos enfrentados pelo Rio Grande do Norte. “O déficit logístico do estado faz com que 70% da produção local destinada à exportação precise ser escoada por portos de estados vizinhos”, aponta.
Segundo ele, a solução passa pela modernização da estrutura portuária. “Nossa localização estratégica, próxima aos Estados Unidos, é uma vantagem, mas é urgente melhorar a infraestrutura do porto local para ampliar nossa competitividade”, ressalta.
A FIERN acompanha de perto esse cenário. “Temos grandes exportadoras atuando no mercado internacional, com potencial para expandir suas operações, dependendo dos desdobramentos desse contexto em constante transformação”, afirma Serquiz. “Todo esse ambiente exige monitoramento contínuo, com coleta de informações em tempo real para orientar as decisões do empresariado local”, completa.
Nordeste precisa de estratégia para aproveitar nova dinâmica do comércio global
Leão, por sua vez, destaca outros pontos de atenção, como a necessidade de adaptação às novas condições de mercado e a concorrência com produtos redirecionados de outros países. “A diversificação de mercados e produtos será essencial para aproveitar essas oportunidades de forma sustentável”, sugere.
Leão também observa que o Nordeste pode ser beneficiado por uma reorganização das rotas comerciais e das cadeias de suprimentos. “Recentemente, iniciativas como a nova rota marítima que conecta o Porto do Pecém à China em aproximadamente 30 dias têm mostrado potencial para transformar a logística da região”, considera.
Além disso, ele chama atenção para os projetos de integração sul-americana. “As rotas que ligam o Nordeste a países como Colômbia, Peru e Equador podem ampliar significativamente o acesso a mercados regionais e internacionais”, afirma.
Leão também menciona que a instabilidade gerada pelo atual governo dos EUA pode acelerar o acordo Mercosul–União Europeia, o que abriria espaço para produtos brasileiros, em especial os nordestinos, nesse novo fluxo comercial entre os blocos. Por outro lado, ele alerta que o Brasil precisa estar atento à movimentação da China, que pode redirecionar seus produtos para o país como forma de compensar perdas no comércio com os EUA — o que pode resultar em aumento das importações brasileiras.
“Se bem aproveitada, essa brecha pode impulsionar o crescimento econômico da região e fortalecer sua posição no comércio internacional”, analisa o economista. No entanto, ele observa que o Nordeste carece de um plano regional bem coordenado para superar as dificuldades e se tornar um player relevante no mercado global.
Para Leão, é urgente iniciar as articulações. “As negociações para a ampliação da concorrência regional precisam começar já”, conclui.