Jornalismo econômico para a inovação no Nordeste -
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19 de julho de 2025 12:39

Nordeste tem potencial para ser vitrine verde do Brasil, mas esbarra em falta de políticas públicas

Nordeste tem potencial para ser vitrine verde do Brasil, mas esbarra em falta de políticas públicas

A exploração do semiárido nordestino como fonte de soluções climáticas pode ser a chave para uma evolução sustentável
Foto: Reprodução/Internet

Enquanto o mundo busca caminhos para enfrentar as mudanças climáticas, o Nordeste brasileiro já reúne as condições naturais e sociais necessárias para liderar uma verdadeira revolução verde. A região produz quase toda a energia eólica nacional, desponta em energia solar e possui um semiárido rico em soluções de adaptação às crises ambientais.

Mas, apesar desse protagonismo técnico e cultural, o Nordeste ainda esbarra em um velho obstáculo: a falta de políticas públicas estruturantes que consolidem sua posição como vitrine verde do Brasil — e do mundo.

Com o aumento dos eventos climáticos extremos, as empresas brasileiras têm buscado soluções cada vez mais sustentáveis para seus grandes negócios. Não à toa, o termo ESG — sigla para Environmental, Social, and Governance, ou Ambiental, Social e Governança — ganhou destaque como conjunto de critérios para avaliar o desempenho das organizações em sustentabilidade e responsabilidade social.

A pauta também está em discussão no congresso. Em 22 de janeiro de 2025 foi sancionada a  Lei 15.103/2025, que institui o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten). A lei visa facilitar o acesso ao crédito para projetos sustentáveis, com foco na transição para fontes de energia mais limpas, reforçando o compromisso do país no combate às mudanças climáticas.

Além disso, a opinião pública tem acompanhado de perto a preparação do Pará para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em Belém em novembro. Estima-se que o evento receba mais de 40 mil visitantes, incluindo cerca de 7 mil integrantes da “família COP” — equipes da ONU e delegações internacionais.

Nesse cenário, o Nordeste brasileiro, com seus nove estados e reconhecido como o terceiro maior complexo regional do país, começa a ganhar destaque como exemplo internacional de sustentabilidade. Isso ocorre naturalmente, já que a região já possui visibilidade nacional por suas soluções empresariais mais sustentáveis.

No entanto, é essencial compreender quais projetos estão em andamento e identificar os obstáculos que impedem o Nordeste de se consolidar como uma verdadeira vitrine verde mundial.

Por que a região tem potencial?

Em entrevista ao Investindo por Aí, Mikaelle Farias, ativista climática e estudante de engenharia de energias renováveis, afirma que vê o Nordeste como “uma das regiões mais promissoras do Brasil para liderar a transição para uma economia verde e de baixo carbono”. Ela destaca que isso se deve não apenas aos recursos naturais, mas também à inovação social e à tecnologia ancestral que nossos povos cultivam desde o período do Brasil Império.

O termo utilizado por Mikaelle se refere ao conjunto de conhecimentos, técnicas e práticas transmitidas de geração em geração desde a antiguidade, que orientam a interação com o mundo e a criação de soluções para as necessidades humanas. Esse conhecimento abrange desde o uso do fogo e ferramentas de pedra até a agricultura, medicina tradicional e artes, refletindo uma sabedoria acumulada ao longo da história.

O material Da Taipa à Engenharia: Tecnologia Africana na Construção do Paraná, de Nabor Maurício Oliveira Chagas, aborda o processo de construção do Paraná e destaca como as comunidades africanas atribuíram valor a essas obras por meio de suas ancestralidades. Essa valorização da ancestralidade não é diferente na área ambiental, especialmente no Nordeste, onde, segundo a ativista Mikaelle, esse aspecto cultural é fundamental para o desenvolvimento de soluções sustentáveis.

Ela segue argumentando que as pautas ambientais no Brasil foram impulsionadas por jovens ativistas e destaca que uma das principais ações, dada a importância desses saberes, é “conectar o conhecimento tradicional das comunidades aos espaços de decisão, garantindo que suas vozes e demandas sejam efetivamente ouvidas e consideradas.”

Ela acrescenta que a região possui “uma das maiores incidências solares da América Latina, além de ventos constantes e fortes em áreas como o litoral do Rio Grande do Norte e do Ceará”. Esses dois fatores são essenciais para as medidas de transição energética, uma das principais prioridades dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O ODS 7, que visa garantir o acesso universal a energias acessíveis, confiáveis, sustentáveis e modernas, é crucial para impulsionar a transição para um sistema energético mais limpo e eficiente.

Atualmente, o Nordeste concentra 93% da energia eólica do Brasil, com destaque para o recorde recente de 19.083 MW de geração, segundo a Agência Gov. Além disso, 68% de toda a energia solar e eólica do Brasil é produzida na região. Apenas os estados do Rio Grande do Norte e da Bahia concentram 60% da energia eólica nacional, com mais de 2,8 mil aerogeradores instalados, segundo dados da ABEEólica.

O Brasil superou recentemente a marca de 55 gigawatts (GW) de potência instalada em energia solar, de acordo com a Agência Brasil, e a geração distribuída (GD) tem crescido significativamente, incentivando a participação de consumidores na geração e distribuição de energia, segundo a ABSOLAR.

Em meio a esses resultados, o Nordeste tem conseguido atingir, de forma agregada, seu abastecimento energético integral a partir de fontes renováveis. Em fevereiro de 2024, o relatório semanal do Operador Nacional de Energia Elétrica apontou que a produção de energia elétrica limpa (hídrica, eólica e solar) no Nordeste (15.439 MWmed) superou toda a carga de consumo ocorrida naquele período (13.114 MWmed), sendo o único território do Brasil com capacidade de “exportar” energia limpa para o resto das regiões.

Embora esses resultados já posicionem o Nordeste na vanguarda do processo de transição energética nacional, a região também apresenta grandes vantagens comparativas para o desenvolvimento do hidrogênio verde: “o combustível do futuro”.

Energia Eólica – Foto: Divulgação

O que tem dado errado, então?

A especialista destaca que o governo brasileiro está perdendo a chance de explorar o potencial do semiárido nordestino, um espaço que, apesar de ser uma solução climática essencial, ainda é pouco valorizado em termos de políticas públicas.

O Semiárido Brasileiro abrange nove estados do Nordeste e parte de Minas Gerais, representando 12% do território nacional e abrigando cerca de 28 milhões de pessoas. A região é rica em cultura, recursos naturais e biodiversidade, com destaque para a Caatinga, que oferece soluções para enfrentar mudanças climáticas e desertificação. A seca é uma característica marcante, mas a região também enfrenta monções torrenciais que, em períodos curtos, provocam cheias, revitalizando a vegetação e os reservatórios de água.

O semiárido, com seu vasto conhecimento popular e práticas tradicionais como a construção de cisternas e o uso de sementes crioulas, se tornou um exemplo mundial de adaptação às mudanças climáticas. Esse reconhecimento internacional foi fortalecido no “Intercâmbio Latino-americano de soluções climáticas no Semiárido”, que aconteceu entre 28 de outubro e 8 de novembro de 2024 com a participação de jovens de países como Colômbia, Guatemala e El Salvador. Durante 12 dias, eles conheceram as experiências agroecológicas de adaptação no interior de Pernambuco e Paraíba, promovendo a troca de conhecimentos sobre soluções para enfrentar as mudanças climáticas.

Carlos Magno, membro da coordenação do Centro Sabiá, destaca que o Semiárido, apesar de ser uma das regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas, tem acumulado um conhecimento valioso que pode ser compartilhado globalmente. “Este intercâmbio reforça a importância de colocar o Semiárido no centro das discussões climáticas globais”, afirma.

Além disso, ele destaca a relevância de iniciativas como o Fundo Clima: “Vejo esses projetos como essenciais para viabilizar a adaptação e mitigação no Brasil. Temos uma lacuna significativa nesse tipo de política, especialmente em relação às diretrizes de financiamento. O fundo tem apoiado, por exemplo, linhas de crédito para energia solar em habitações populares, como a Geração Distribuída no Nordeste, mas ainda precisamos de mais apoio para garantir a expansão desses projetos.”

O Programa Fundo Clima do BNDES destina-se à aplicação dos recursos reembolsáveis do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), instituído pela Lei nº 12.114, de 9 de dezembro de 2009, e regulamentado pelo Decreto nº 9.578, de 22 de novembro de 2018, com alterações no Decreto nº 11.549, de 5 de junho de 2023.

Vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, esse mecanismo é um dos principais instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Sua finalidade é assegurar recursos para apoiar projetos e estudos voltados para a mitigação das mudanças climáticas e para financiar empreendimentos que ajudem na adaptação a seus efeitos. O objetivo central é apoiar a implementação de iniciativas, a aquisição de máquinas e equipamentos, e o desenvolvimento de tecnologias voltadas à redução de emissões de gases de efeito estufa.

O que mais pode estar impedindo este processo?

  • Embora o Nordeste tenha muitos recursos naturais e soluções sustentáveis, a falta de uma articulação eficaz entre o setor público e privado tem sido um obstáculo para o avanço de projetos de grande escala. A dificuldade de integrar as diferentes partes interessadas em um único projeto impede que a região se torne um hub de inovação verde. Mikaelle destaca a importância de se criar um ambiente de colaboração que envolva governo, empresas, organizações não governamentais e as próprias comunidades.
  • A região ainda enfrenta desafios relacionados à falta de incentivos fiscais adequados para empresas que desejam investir em soluções ambientais sustentáveis. Os instrumentos de financiamento e apoio, como o Fundo Clima, ainda não são amplamente acessíveis ou eficientes para pequenas e médias empresas, o que limita o potencial de crescimento sustentável local. Sem um sistema de incentivos mais robusto, o Nordeste perde oportunidades de atrair investimentos internacionais e fomentar o empreendedorismo verde.
  • Outro ponto crucial é a educação ambiental, que ainda precisa ser melhorada em muitas áreas do Nordeste. A conscientização sobre a importância da sustentabilidade e os benefícios das práticas ecológicas são fundamentais para engajar as populações locais e garantir que as soluções sustentáveis se tornem parte do cotidiano da região. Falta um maior esforço de capacitação, especialmente nas áreas rurais, para que as pessoas possam adotar e implementar soluções que ajudem a proteger o meio ambiente e a garantir uma transição energética bem-sucedida.

*Esta é a primeira reportagem da série Nordeste Sustentável.

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