A agricultura familiar na região do Matopiba — que abrange partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — ganha um novo impulso com a inserção de novas tecnologias e práticas inovadoras voltadas para o cultivo de culturas tradicionais como arroz, feijão, milho e mandioca.
No último mês, aconteceu o dia de campo “Manejo do Consórcio Rotacionado para Inovação na Agricultura Familiar – CRIAF”, um evento que reuniu estudantes, técnicos e produtores rurais. Coordenado pela Embrapa Maranhão e pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), o encontro teve como objetivo dar início à implementação dessas novas práticas tecnológicas.
A iniciativa faz parte de um projeto de pesquisa maior denominado “Ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a região do Matopiba”, conduzido pela Embrapa. A proposta busca oferecer soluções para problemas identificados pelo setor produtivo local, fortalecendo a atuação da Embrapa na região de Balsas, um importante polo agrícola do Matopiba, com destaque para a produção de soja e algodão.
O chefe-geral da Embrapa Maranhão, Marco Bomfim, conta que o projeto parte de uma escuta que a Embrapa fez no ambiente produtivo para definir quais eram as principais demandas e os principais desafios tecnológicos que precisavam ser superados na região. “Vários desafios foram apontados para essa produção de commodities, como é o caso de culturas alternativas para safrinha, de ciclo mais curto, como a integração lavoura-pecuária e a conservação e uso de solos”, diz.
Agricultura familiar como prioridade
“Um dos temas que surgiu com bastante força, inclusive apontado pelos grandes produtores, foi o da agricultura familiar”, revela.
Bomfim comenta que muitas vezes se imagina que nessas regiões de grande produção agrícola, os produtores são majoritariamente grandes, mas, na verdade, em termos quantitativos, considerando o número de produtores, mais de 80% deles são agricultores familiares. Embora possuam áreas pequenas, eles são muito mais representativos em número.
A atividade específica voltada para a agricultura familiar é a mais prioritária nessa nossa colaboração. “Ela visa trazer mais inovação para que esse público também possa ter mais produtividade, rentabilidade da terra e acesso às tecnologias disponíveis, de modo que possam elevar seu índice de desenvolvimento humano, reduzir a insegurança alimentar e alcançar prosperidade”, afirma o chefe-geral.
Bomfim ainda acrescenta que esta atuação faz parte do desenvolvimento regional, ressaltando que a verdadeira evolução da região só acontecerá quando todos estiverem incluídos nesse processo. Nesse sentido, a Embrapa traz para esse projeto e para o sul do Maranhão uma proposta de roça sustentável. A produção de arroz, milho, feijão e mandioca é a mais predominante entre os produtores.
“Embora já exista muita tecnologia desenvolvida para esses produtos, os agricultores familiares muitas vezes não têm acesso a ela, ao contrário dos grandes produtores que possuem mais possibilidades de captar essas tecnologias por meio de consultorias e técnicos que prestam serviço para essas empresas”, considera.
Impactos na agricultura familiar
Com a capacitação de futuros profissionais do agronegócio e a disseminação de práticas inovadoras, a expectativa é que a produtividade e a sustentabilidade da agricultura familiar no Matopiba aumentem significativamente. A iniciativa também busca preparar os profissionais para aplicar essas tecnologias em suas atividades diárias, contribuindo para o desenvolvimento econômico da região.
Bomfim ainda comenta que os agricultores familiares estão mais distantes da busca pela tecnologia. “Assim, neste projeto, trazemos técnicas amplamente utilizadas pelos grandes produtores, como a integração e a rotação de culturas”, garante.
“Continuamos plantando milho, feijão, mandioca e arroz, mas de uma maneira diferente: não mais como os produtores estão habituados, em conjunto na mesma área, sem coordenação e sem cuidado específico com cada cultura e suas exigências”, detalha.
Reorganização das atividades produtivas
Bomfim relata que, nesse novo modelo, há uma reorganização dessas atividades produtivas na área. O feijão é plantado separado do arroz, que é plantado separado da mandioca. Ao mesmo tempo, depois de colher o milho, ainda é possível fazer uma safrinha de feijão.
“Esse conceito de produzir duas safras na mesma área é aplicável à agricultura familiar. Após colher o feijão, a mandioca é deixada plantada, pois ela consegue resistir durante o período seco e será colhida no início do período chuvoso subsequente”, esclarece.
Segundo o chefe-geral, a integração do arroz com a mandioca, por exemplo, funciona assim: depois de colhido o arroz, a mandioca é plantada sobre a palha do arroz, que ajuda a cobrir o solo e, ao mesmo tempo, é uma fonte de potássio para as raízes da mandioca.
O feijão, após ser colhido, deixa nitrogênio fixado no solo por ser uma leguminosa. Assim, aproveitamos todas essas interações entre as culturas para que o produtor possa obter várias safras na mesma área e, ao mesmo tempo, criar condições para que uma cultura beneficie e ajude a outra.
“Esse modelo permite aproveitar ao máximo os nutrientes e quebrar o ciclo de doenças, pois a rotação de culturas impede que, no ano seguinte, uma área plantada com milho, por exemplo, seja utilizada novamente com milho. Em vez disso, é utilizada com feijão, o que ajuda a interromper o ciclo de doenças específicas de uma cultura”, especifica Bomfim.
O Maranhão no Matopiba
A fronteira agrícola do Matopiba é região consolidada e em plena expansão. Atualmente tem o maior crescimento de produção de grãos do País e, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária – Mapa, deve aumentar sua produção em 37% nos próximos dez anos. O Maranhão detém mais de 30% da região do Matopiba, localizada no sul do estado.
O investimento em ciência e tecnologia tornou os solos naturalmente pobres da região aptos para a produção mecanizada de grãos. Hoje, mais de um milhão de hectares de soja são cultivados no Maranhão, junto com milho, feijão, sorgo, milheto e algodão. A pesquisa busca intensificar e diversificar a produção, promovendo inclusão social e sustentabilidade econômica e ambiental.
Embora grande parte da colheita seja destinada ao mercado internacional, a agregação de valor deve fortalecer as cadeias produtivas. Esse crescimento agrícola impulsiona a demanda por serviços, produtos industrializados, empregos, renda e desenvolvimento regional.
Saiba mais sobre o Hub Matopiba em Hub Matopiba potencializa presença estratégica da Embrapa na região.
Nesse sentido, o engenheiro agrônomo e técnico do IFMA, Jean Magalhães da Silva, explica que a agricultura familiar maranhense tem como principal característica o emprego do sistema de corte/queima, conhecido como roça no toco. Esse método utiliza o fogo como a tecnologia mais acessível, barata e dominada pelos produtores, passada de geração em geração.
Segundo Jean, esse método facilita o preparo da área ao reduzir os resíduos vegetais (galhos, folhas, troncos) na forma de cinza, que é rica em macro e micronutrientes prontamente disponíveis para a nutrição dos cultivos adotados, como arroz, milho, mandioca e feijão.
Apesar das vantagens, Jean destaca que esse método apresenta sérias desvantagens, como a perda progressiva de nutrientes devido à ação do vento e das chuvas, que carregam o solo junto com a cinza para as áreas mais baixas. Isso resulta na queda da produção e da produtividade das culturas.
“Aliado a isso, a impossibilidade de se empregar um adequado pousio (abandono da área para a sua recuperação natural) agrava tal processo, comprometendo drasticamente a oferta de alimentos para o atendimento à segurança alimentar das famílias e consequentemente na geração de excedentes para a geração de renda”, complementa o engenheiro.
Adoção do CRIAF como Alternativa Inovadora
O técnico explica que a adoção do CRIAF é uma importante alternativa de sistema de produção para os agricultores familiares da região do Cerrado Sul Maranhense. Esse modelo apresenta vantagens tecnológicas que ajudam a modificar o cenário negativo observado no uso do sistema tradicional de corte/queima.
Dentre os benefícios que impactam diretamente as culturas de arroz, feijão, milho e mandioca, Jean cita:
- Valorização do sistema de consórcio: manter espécies alimentares e métodos tradicionais dos agricultores familiares maranhenses fortalece a confiança nas inovações do CRIAF e evita mudanças drásticas.
- Uso seguro de defensivos químicos: o conhecimento sobre defensivos e cuidados na aplicação previne intoxicações, contaminação do solo e resíduos nos produtos colhidos.
- Uso racional de corretivos e fertilizantes: amostrar o solo adequadamente permite decisões conscientes sobre correção e adubação, evitando o empobrecimento do solo por queimadas e erosão.
- Segurança alimentar e geração de renda: melhor organização na produção, uso eficiente de insumos e seleção de sementes de qualidade aumentam produtividade e renda, melhorando a segurança alimentar das famílias.
- Dias de campo: as unidades demonstrativas do CRIAF em escolas técnicas, com dias de campo, criam uma rede de multiplicadores entre alunos e agricultores familiares.
A iniciativa pretende integrar os produtores rurais à pesquisa e ao desenvolvimento de novas práticas agrícolas, com foco na inovação e na sustentabilidade. “A zona rural do Município de São Raimundo das Mangabeiras é composta por diversos povoados e assentamentos da reforma agrária, que cultivam uma variedade de produtos, incluindo frutíferas, culturas anuais e práticas agroextrativistas”, afirma Jean.
O técnico comenta que em algumas dessas comunidades, já foram realizadas atividades de pesquisa pelo corpo docente do IFMA – SRM, bem como ações de extensão por meio de projetos desenvolvidos pela equipe técnica local Jean ainda considera que essas comunidades apresentam um grande potencial para se tornarem importantes espaços de pesquisa integrada.
“A proposta é realizar uma articulação com as associações locais para apresentar o CRIAF às famílias, com o objetivo de estabelecer uma Unidade Demonstrativa. Esta unidade seria acompanhada por técnicos administrativos, professores e alunos, promovendo o envolvimento ativo das comunidades com o processo de inovação agrícola”, finaliza o técnico.
O projeto prevê a criação de Unidades de Referência Tecnológica (URT) do CRIAF em instituições de ensino técnico e superior, como o IFMA de São Raimundo das Mangabeiras. Essa estratégia visa proporcionar acesso direto a novas tecnologias agropecuárias para estudantes, técnicos, professores e produtores rurais, modernizando o setor agrícola da região.
O engenheiro agrônomo e diretor geral do IFMA Campus São Raimundo das Mangabeiras, professor Clemeson Vale, assegura que iniciativas como esta apresentam-se de extrema importância não só para a comunidade produtora local, mas também para os acadêmicos do curso de Engenharia Agronômica no despertar por ações sustentáveis e de eficiência produtiva, através de tecnologias de manejo e consórcio rotacionado, demonstrando assim compromisso com a inovação na agricultura familiar.
“A troca de conhecimentos e experiências entre os participantes fortaleceu a busca por práticas agrícolas mais sustentáveis e eficientes”, declara.
Para Clemeson, a relevância do tema central do evento reside na necessidade de conciliar a produção de alimentos com a preservação do meio ambiente. As tecnologias de manejo e o consórcio rotacionado apresentados durante o Dia de Campo oferecem alternativas viáveis para aumentar a produtividade agrícola, reduzir o uso de insumos químicos e promover a conservação do solo e da água.
“Ao fornecer conhecimento técnico e prático através de Dias de Campos contribuímos para a melhoria da qualidade de vida das famílias rurais e para a construção de um futuro mais sustentável”, conclui o professor.
Uma resposta
O consórcio nordeste devia se unir e pegar a água do rio são Francisco antes dele desaguar no mar.e bombear para todo o nordeste…a Petrobrás tem milhares de km de gasoduto pode se fazer o mesmo com está água q vai se perder no Oceano…