Há quatro décadas, o Brasil era um dos maiores importadores de algodão. Hoje, o país lidera as exportações globais da fibra, graças à adoção de práticas agrícolas avançadas, com destaque para o Oeste baiano. A região se sobressai pela produção sustentável e pela qualidade da fibra, transformando o algodão em um motor de desenvolvimento econômico.
Na safra 2023/2024, a Bahia cultivou algodão em uma área de 345,4 mil hectares, produzindo 6,6 milhões de toneladas de algodão em pluma. Apesar de ocupar apenas 0,55% da área agrícola do estado, a cultura é crucial para a economia regional, gerando empregos e impulsionando o crescimento de municípios no oeste baiano.
Para entender os impactos dessa transformação e os desafios enfrentados pelo setor, conversamos com o diretor executivo da Associação Baiana dos Produtores de Algodão – Abapa, Gustavo Prado, e a coordenadora do ABR-Sustentabilidade, Yanna Costa. Eles destacam a importância da certificação ABR, os esforços para fortalecer o setor e os próximos passos para consolidar a Bahia como um polo global de algodão sustentável. Também abordam as dificuldades que ainda precisam ser superadas.
O crescimento da produção de algodão sustentável na Bahia
De acordo com os gestores, o avanço da produção sustentável no estado se deve à adoção de práticas agrícolas mais eficientes e responsáveis, como o manejo integrado de pragas e o uso de tecnologias de agricultura de precisão. Além disso, programas de capacitação e incentivo ao produtor têm desempenhado um papel fundamental.
Gustavo Prado destaca o trabalho conjunto da Abapa com entidades como o Instituto Baiano do Algodão (IBA) e o Fundo Privado de Defesa Agropecuária (FUNDEAGRO), que têm investido no fomento a essas boas práticas. “Nosso objetivo é garantir que os produtores, especialmente os pequenos, tenham suporte para implementar práticas sustentáveis, desde a gestão racional dos recursos naturais até o monitoramento fitossanitário”, afirma.
Sustentabilidade como diferencial
A Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), fundada em 2000, lidera ações que integram rastreabilidade, inovação tecnológica e sustentabilidade. Em parceria com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), a entidade tem expandido os mercados internacionais para o algodão baiano, reconhecido por suas práticas socioambientais.
Atualmente, 92% da produção nacional de algodão é irrigada exclusivamente com água da chuva, o que posiciona o Brasil como responsável por 36% do algodão sustentável consumido no mundo.
Certificações impulsionam competitividade
A certificação Algodão Brasileiro Responsável (ABR) é destaque na cotonicultura baiana. Yanna Costa, afirma que “a certificação ABR agrega valor e atende às exigências de mercados internacionais, fortalecendo a cadeia produtiva e garantindo a sustentabilidade”.
Prado, por sua vez, ressalta que “o programa ABR é um dos protocolos de certificação socioambiental e responsável mais completos aplicados para a agricultura”. O diretor executivo explica que o ABR está fundamentado nos três pilares da sustentabilidade: ambiental, social e econômico, e é baseado em nove critérios fundamentais:
- Contrato de trabalho: estabelece a formalização das relações laborais;
- Proibição do trabalho infantil;
- Proibição do trabalho análogo à escravidão, indigno ou degradante;
- Liberdade de associação sindical;
- Proibição de discriminação de pessoas;
- Segurança, saúde e meio ambiente do trabalho rural;
- Desempenho ambiental;
- Boas práticas agrícolas e industriais;
- Gestão de unidade.
Os critérios de sustentabilidade não se limitam às unidades de produção, como fazendas, mas também se estendem às algodoeiras, unidades responsáveis pelo beneficiamento do algodão. “A certificação traz benefícios não apenas para os produtores, mas para todo o setor produtivo, fortalecendo a imagem do algodão brasileiro, especialmente no mercado internacional, e promovendo o reconhecimento da produção responsável”, destaca Gustavo Prado.
Além da certificação ABR, outras, como a Fair Trade (Comércio Justo) e a ISO 14001 (Gestão Ambiental), também podem ser estratégicas para os produtores baianos. “Essas certificações agregam valor ao produto e ampliam o acesso a novos mercados, beneficiando especialmente o algodão da Bahia, já reconhecido por sua qualidade e práticas sustentáveis”, complementa Yanna Costa.
Além disso, são incentivados treinamentos contínuos e ações fitossanitárias – ou seja, medidas para prevenir, controlar ou eliminar pragas e doenças em plantas, garantindo a saúde dos cultivos e a segurança ambiental – que alinhem os produtores baianos às melhores práticas internacionais.
Desafios e perspectivas
A Embrapa projeta um aumento de 64,5% na produção de algodão no oeste baiano nos próximos 10 anos, consolidando a liderança do estado no setor. Apesar desse cenário promissor, desafios persistem, como a inclusão de pequenos produtores e a manutenção de altos padrões de qualidade para atender às rigorosas demandas internacionais.
De acordo com Gustavo Prado, a transição para práticas sustentáveis pode ser um desafio, especialmente para os pequenos produtores, que carecem de recursos. “A Abapa tem trabalhado na capacitação técnica, parcerias com universidades e acesso a tecnologias que favoreçam práticas mais eficientes. Nosso objetivo é garantir que todos os produtores, independentemente do porte, se adaptem às exigências de sustentabilidade sem comprometer sua viabilidade econômica”, afirma.
Yanna Costa destaca que a rastreabilidade e os altos padrões de qualidade são imprescindíveis para a competitividade no mercado global. “A Bahia já é um dos maiores polos de algodão sustentável do Brasil, mas enfrentamos o desafio de continuar adotando boas práticas. As exigências dos mercados internacionais são cada vez mais rigorosas, e manter a rastreabilidade é essencial para garantir que nosso algodão continue se destacando”.
Para Prado, a solução está no investimento contínuo em inovação e sustentabilidade. “Estamos implementando soluções que minimizem os impactos ambientais e mantenham a Bahia na vanguarda da produção sustentável. Nosso esforço também inclui a expansão do mercado internacional, assegurando que nossos produtores tenham um espaço sólido e competitivo”, conclui.
Algodão sustentável x orgânico: diferenças e demandas no mercado global
O mercado global de algodão apresenta demandas distintas para o algodão sustentável e o algodão orgânico, refletindo as características e exigências de cada tipo de produção. Segundo o diretor executivo da Abapa, embora ambos atendam à busca por produtos responsáveis, existem diferenças fundamentais. “O algodão orgânico segue normas rigorosas que excluem completamente o uso de produtos químicos e respeitam o ciclo natural do ecossistema. Já o algodão sustentável permite o uso de insumos sob uma gestão controlada, focando na redução dos impactos ambientais”, finalizou Gustavo.
Para Yanna, o algodão sustentável tem uma vantagem em termos de alcance no mercado global. “Ele atende a uma gama mais ampla de exigências de sustentabilidade e pode ser produzido por mais produtores. O algodão orgânico, embora esteja crescendo, possui um mercado mais restrito, com maior demanda em países europeus”.
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Ambos os especialistas concordam que a tendência crescente por práticas de produção responsável posiciona o algodão sustentável como uma solução viável para atender tanto às necessidades dos produtores quanto às expectativas dos consumidores. “Essa flexibilidade permite que o algodão sustentável esteja em uma posição vantajosa, ao oferecer alternativas para um mercado que valoriza a responsabilidade socioambiental”, finaliza a coordenadora.