Após idas e vindas e inúmeros debates, a Reforma Tributária finalmente saiu do papel com a missão de simplificar o sistema de impostos brasileiro, visando eficiência e justiça na arrecadação. Contudo, seus efeitos podem variar conforme as especificidades econômicas de cada região do País. No Nordeste, onde os setores do comércio, turismo, indústria e agronegócio são fundamentais, a Reforma poderá trazer oportunidades e desafios nos próximos anos.
Impactos a médio prazo
Nos primeiros anos após a implementação do novo sistema, a substituição de tributos como ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) tem o potencial de simplificar a vida das empresas, reduzindo a burocracia e os custos operacionais. Estudos apontam que a adoção do IVA resultará em uma redução de até 20% nos custos tributários para as empresas, o que representaria um alívio significativo para os empreendedores, especialmente no Nordeste, onde a informalidade é mais presente. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), as pequenas e médias empresas, que representam 80% do mercado da região, serão as maiores beneficiadas.
Mas há obstáculos no horizonte. Francelino Valença, presidente da Fenafisco, alerta: “A transição para o novo modelo de tributação é arriscada para os estados nordestinos, especialmente se as compensações financeiras forem temporárias ou insuficientes. Isso pode afetar a arrecadação e causar um desequilíbrio fiscal, dificultando a manutenção de serviços públicos essenciais.”
Além disso, o Nordeste pode enfrentar perdas significativas com a redução dos incentivos fiscais, que atualmente são usados como uma ferramenta de atração de investimentos. A Bahia, por exemplo, teve uma renúncia fiscal de aproximadamente R$ 1,4 bilhão em 2023, devido a incentivos que ajudaram a atrair grandes indústrias. Segundo Allisson Martins, economista e gerente do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE), “os incentivos fiscais são essenciais para atrair investimentos e garantir o crescimento local. O novo sistema exigirá que os estados desenvolvam novas estratégias para manter esses fluxos de recursos.”
Além disso, o setor de serviços, que é um dos maiores responsáveis pelo PIB de estados como Bahia, Pernambuco e Ceará, também poderá ser impactado. Em 2023, cerca de 60% do PIB desses estados vinha do setor de serviços. A nova carga tributária voltada para o consumo pode gerar aumento nos impostos, afetando diretamente áreas como turismo, hotelaria e transporte. “A carga tributária sobre o consumo pode prejudicar setores essenciais para o Nordeste, como o turismo, que depende de preços competitivos para atrair turistas”, observa Juliano Goularti, economista e assessor da Fenafisco.
Efeitos a longo prazo
Nos próximos anos, à medida que a Reforma Tributária for totalmente implementada, é esperado que algumas mudanças estruturais comecem a ser mais evidentes. Um dos benefícios mais aguardados é a redução das desigualdades regionais. O novo modelo de distribuição da arrecadação entre estados e municípios deve gerar um aumento considerável nos repasses federais para o Nordeste. A redistribuição, segundo a Associação Brasileira de Municípios, pode resultar em um acréscimo de até 25% nos repasses para os estados nordestinos nos primeiros dez anos. Para a região, isso pode significar um aumento de R$ 5 bilhões anuais, o que ajudaria a financiar áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura.
Além disso, a competitividade do agronegócio e da indústria pode ser impulsionada com a reforma. A desoneração de setores produtivos e o estímulo às exportações podem dar ao Nordeste uma vantagem competitiva significativa. Em 2024, o agronegócio da região foi responsável por 14% das exportações brasileiras. Com a eliminação das barreiras tributárias, é possível que esse número cresça, beneficiando setores como a agricultura e a indústria de alimentos. “A desoneração da produção é uma excelente oportunidade para os estados nordestinos, pois fortalece áreas-chave como a agricultura e a indústria de alimentos. Com isso, a região poderá aumentar sua participação nas exportações do país”, afirma Allisson Martins.
Porém, essa transição exigirá ajustes nas políticas de atração de empresas. A falta de incentivos fiscais pode fazer com que algumas indústrias migrem para outras regiões com melhor infraestrutura e maior mercado consumidor. Estima-se que, caso essa migração ocorra de forma substancial, o impacto negativo sobre a economia local poderia ultrapassar R$ 2 bilhões em perdas fiscais anuais. “Será crucial que os estados encontrem alternativas para incentivar o crescimento econômico local, sem depender tanto dos incentivos fiscais”, destaca Francelino Valença.
A migração de indústrias também pode afetar diretamente o PIB da região. Setores como o automotivo e de tecnologia, que representam cerca de 8% do PIB nordestino (aproximadamente R$ 40 bilhões anuais), seriam altamente impactados por uma redução no fluxo de investimentos. “Embora a Reforma Tributária busque uma distribuição mais justa de recursos, a mudança para a tributação no destino pode gerar perdas significativas para os estados nordestinos, que dependem de um sistema mais favorável à produção e circulação interna”, comenta Juliano Goularti.
Pontos positivos e negativos para o Nordeste
Pontos positivos:
- Simplificação do sistema tributário e redução da burocracia, beneficiando especialmente as pequenas e médias empresas.
- Redistribuição mais equilibrada da arrecadação, o que deve aumentar os repasses federais para os estados nordestinos em até R$ 5 bilhões por ano.
- Maior competitividade para o agronegócio e indústria da região, com a desoneração de setores-chave e maior participação nas exportações.
- Incentivo à formalização de empresas, resultando em mais empregos e maior arrecadação.
Pontos negativos:
- Fim dos incentivos fiscais pode reduzir a atratividade do Nordeste para grandes investidores, gerando perdas de até R$ 2 bilhões anuais.
- Aumento da carga tributária sobre o consumo pode impactar negativamente setores como turismo e serviços, essenciais para a economia regional.
- Os estados precisarão desenvolver novas estratégias para atrair investimentos, sem a dependência dos incentivos fiscais.
- A transição pode gerar instabilidade fiscal e afetar a arrecadação estadual nos primeiros anos.
Caminho à frente
Embora a Reforma Tributária tenha o potencial de transformar o sistema de arrecadação em algo mais justo e eficiente, seus efeitos no Nordeste dependerão da habilidade dos estados de se adaptar às novas regras. A redistribuição de recursos pode trazer benefícios sociais e econômicos no longo prazo, mas a redução dos incentivos fiscais representa um desafio considerável para a manutenção de investimentos e empregos na região. “A mudança será difícil, mas também oferece uma grande oportunidade para o Nordeste se reposicionar como um polo de crescimento sustentável”, conclui Allisson Martins.